sexta-feira, 16 de julho de 2010

Saudosa manobra do EDA: Lancevaque



Confira a descrição da manobra Lancevaque (Lomcevak), executada no passado pelo EDA -Esquadrão de Demonstração Aérea, a Esquadrilha da Fumaça.



O Lancevaque, não mais faz parte do repertório das apresentações da Esquadrilha, porém, ficou na memória de quem viu, e quem viu pode afirmar, é uma manobra assustadora e incrível, técnica e que exige muita coragem.

Acompanhe, veja como é perfeita.

Lancevaque

Se nós tivéssemos sido projetados para voar, teríamos estruturas de asas no lugar de braços e penas cobrindo a pele. O Criador, porém, fez melhor e nos deu a capacidade de pensar, imaginar e inventar. Esses atributos quando misturados, nas doses certas, à inquietação e à eterna insatisfação humana, fazem o mundo andar para frente.

Depois que as máquinas nos ajudaram a nos deslocar para frente e para cima, a humanidade passou a ver o mundo de um ponto de vista bem diferente daquele que estava acostumado até então. Ver o planeta girar em torno de si, certamente não estava nos planos mais ambiciosos daqueles que queriam viver emoções inéditas.

Ao mesmo tempo em que ensaiamos os primeiros passos na conquista do ar, apareceram os primeiros aviadores querendo fazer diferente e começaram a “entortar” aquelas frágeis máquinas. As manobras mais radicais daqueles primórdios, não passavam de curvas e vôos rasantes. Parafusos, tonneaux e loopings vieram assim que novos motores, mais potentes e mais leves, foram aplicados a avionetas mais resistentes.

Na década de 50, quando aparentemente nada mais poderia ser criado surgiu uma manobra espetacular, que rendeu ao seu inventor os títulos do Lockheed Aerobatic Trophy nos anos de 1957, 1958, 1961, 1964 e 1965, voando um Zlin 226. Aqui chamamos de lancevaque, uma palavra que, embora você não encontre no dicionário, é bem conhecida entre os pilotos que costumam desafiar cada uma das três dimensões do espaço aéreo. O verbete em português vem de lomcevak.

Numa aplicação prática dessa palavra você pode usá-la se algum dia for para a cidade de Brno e quiser se referir ao estado de embriaguez causado por algumas doses a mais de slivovitz, bebida alcoólica típica da região da Moravia muito apreciada entre os tchecos.

Quem batizou a acrobacia assim foi o mecânico do piloto Ladislav Bezak, que no campeonato de 1958, em Brno, tentava explicar a manobra para assombrados jornalistas que não entendiam bem o que aquele maluco estava fazendo lá em cima. O nome pegou e é bem mais conhecido que o do próprio inventor.

Anos mais tarde Bezak fugiu da repressão política que imperava na antiga Tchecoslováquia, a bordo do seu Zlin 226, com sua mulher e filho na nacele dianteira. O legado para o seu país foi a proibição da acrobacia aérea, como providência para evitar novas fugas. Bezak deixou para o mundo, porém, o legado dessa fantástica manobra que, em pouco tempo, passou a ser empregada em todos os circuitos internacionais de acrobacia aérea.

Quem colocou o lancevaque na Fumaça foi o Celso Vilarinho. Trata-se de um apaixonado, curioso e estudioso da acrobacia aérea. O interessante é que ele testou as primeiras cambalhotas de um lancevaque antes dos Tucano serem disponíveis para a Esquadrilha da Fumaça. Aprendeu o bê-á-bá no T-25 Universal quando voava no Cometa Branco, uma esquadrilha de demonstração que nasceu entre os instrutores de vôo da Academia da Força Aérea, em Pirassununga - SP, numa época em que o nome Esquadrilha da Fumaça fazia parte do passado, porque o grupo com os North American Texan T-6 havia deixado de existir e o Esquadrão de Demonstração Aérea, com os T-27 Tucano, ainda não havia nascido.

O Cometa Branco foi essencial para o renascimento da Esquadrilha da Fumaça. Um lancevaque descrito no livro Aerobatics, de Neil Williams, e que trazia uma imagem dessa acrobacia complexa foi a base de sua pesquisa. Durante um ano Vilarinho foi adicionando, removendo e alterando os componentes teóricos e colocando-os em prática nos vôos de final de tarde, sempre ao término da jornada diária de instrução ministrada aos cadetes.

O Universal e o Vilarinho foram aos poucos se entendendo. O Vilarinho diz que depois de inúmeras tentativas saiu “algo parecido” ao que havia lido no livro. A confirmação de que era “algo parecido”, veio com sua viagem a Pompano Beach, na Flórida, EUA. Quem levou o Vilarinho até lá foi o José Ângelo Simioni, entusiasta e incentivador da acrobacia aérea, que faleceu na década de oitenta a bordo de um T-6.

Os vôos que Vilarinho fez com o acrobata norte-americano Clint McHenry foram esclarecedores:

- Definitivamente isso não é um lancevaque, você inventou uma nova manobra.

A invenção veio da necessidade de adaptar a acrobacia às características do Universal e mais tarde, do Tucano. Nos dois aviões, as asas longas e enorme carga alar não permitiam que a manobra original fosse executada. O nome foi mantido, porque muitos já a conheciam por lancevaque.

Para fazer algo tão diferente Bezak teve que inovar e adicionou um novo ingrediente na execução da acrobacia. Fugindo do lugar-comum de utilizar somente os princípios aerodinâmicos, Bezak fez uma combinação destes com os efeitos da precessão giroscópica produzida pela forca da hélice girando a plena potência.

A lancevaque original, de Bezak, era feito com seu Zlin 226 com uma subida a 45°. Antes de executar a manobra, colocava o avião de cabeça para baixo. Em seguida comandava com o manche todo à frente e à esquerda com pedal direito a fundo, mantendo o motor a plena potência.

O de Vilarinho, que acabou sendo usado na Esquadrilha da Fumaça com o Tucano, começava com um vôo picado para ganhar pouco mais de 200 nós (360 km/h), mão esquerda na manete de potência par mantê-la toda à na frente. Iniciava, então uma puxada de três G e colocava o Tucano subindo exatamente a 90° com o solo, trazia o manche em neutro para evitar qualquer tendência durante o tunô e olhava rapidamente para um lado e para outro verificando se as asas estavam eqüidistantes com o solo, imediatamente depois iniciava o tunô vertical pela esquerda.

Quando o Tucano atingisse cerca do dobro da velocidade de estol, algo em torno dos 120 nós (220km/h), comandava o lancevaque com manche à frente e à esquerda, no batente, e pedal para o mesmo lado, a fundo. Com os comandos de vôo aplicados no máximo curso, as forças aerodinâmicas são bastante grandes, o Tucano briga para sair dessa condição e o piloto tinha que se valer da força muscular para contrariá-lo. A visão do piloto passa a ser a do mundo girando muito rápido em volta do avião. Aliás, o piloto era quem menos sofria. A carga G ficava em torno do zero e um e havia uma dose adicional de G lateral.

O som era do motor funcionando a máxima potência. O piloto buscava seu ponto de referência no chão olhando para cima e diante dos seus olhos a paisagem se alternava rapidamente entre céu e terra. A dica para diminuir a pressão nos comandos era justamente o som.

Quando a energia do giro acabava, o som ficava mais forte, como que o ar tentando passar pelo disco da hélice de trás para frente.

Para descomandar um lancevaque no Tucano era muito simples, bastava tirar potência ou deixar de manter os comandos em seu curso máximo. Ele pára de girar e o nariz aponta para o chão, com o peso do motor, voltando a voar da maneira como foi concebido. Se o piloto simplesmente soltasse todos os comandos o Tucano saia com uma docilidade incrível. Caso o piloto insistisse em manter os comandos aplicados depois que o avião perdesse a energia, ele entrava num parafuso invertido.

As cargas sofridas pelo eixo da hélice eram enormes. Tão grandes que o Antonio José Faria dos Santos possui hoje menos pousos que decolagens em sua vasta e diferenciada experiência de vôo. Durante uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça na cidade de Londrina – PR, ele teve que direcionar seu Tucano para uma região desabitada e acionar seu assento ejetável depois que um lancevaque partiu o eixo da hélice, desprendendo-se do restante do avião, e o motor incendiou-se. De piloto, passou a pára-quedista.

Fruto desse episódio, um novo eixo foi desenvolvido pelo fabricante do motor e o lancevaque sobreviveu ainda alguns anos como uma das manobras mais espetaculares da Esquadrilha da Fumaça.

Recentemente, uma nova avaliação das cargas sofridas pelo eixo tirou novamente o lancevaque do conjunto de suas manobras, antes que outro acidente ocorresse. Morreu, dessa forma o lancevaque na Esquadrilha da Fumaça. Mas permanece vivo entre os diversos pilotos de acrobacia aérea espalhados pelo mundo, inclusive brasileiros.

Várias gerações de pilotos executaram essa extraordinária acrobacia nos Tucano. Se não houver nenhuma mudança que permita sua realização, o lancevaque vai ficar apenas na memória daqueles aviadores da Esquadrilha da Fumaça que tiveram a oportunidade de realizá-lo e registrado gravado na retina dos milhares de expectadores nos diversos países onde o EDA se apresentou e que puderam ver os Tucano cambalhotando como alguém que teria tomado umas doses a mais de slivovitz. Talvez não haja muito mais a ser criado no excitante mundo da acrobacia aérea, mas engana-se quem aposta que os inquietos estão satisfeitos.

Enquanto existir a capacidade de pensar, imaginar e inventar, será sempre possível o surgimento de outros Bezak e outros Vilarinho com novas surpresas de tirar o fôlego.



Link.

A filmagem é datada de outubro de 1990, na apresentação ocorrida no Campo de Marte em São Paulo, durante o III Domingo Aéreo, em comemoração à Semana da Asa.

Fontes: Blog do Lausi e Youtube

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