sábado, 12 de junho de 2010

A corrida para o fim do mundo



O Havilland DH–88 "Comet" venceu a maior e mais longa corrida aérea jamais vista — a Corrida Aérea Internacional MacRobertson de 1934, de Londres até a costa sul da Austrália.





Esse elegante avião vermelho, com um perfil frontal semelhante a uma bala, asas delgadas e em formato de lâmina como cientes da necessidade de sustentá-lo nas alturas, duas cabinas de motor fuseladas pendendo das asas como tanques alijáveis aerodinâmicos, teria sido o puro-sangue dentre os competidores — o avião mais rápido e charmoso — mas, ao mesmo tempo, um corredor indomável que provavelmente também causaria muitos problemas antes de cruzar a linha de chegada.

O Comet foi criado especificamente para a Corrida MacRobertson — uma competição planejada por um homem de negócios australiano que desejava promover o comércio aéreo e os vôos que ligavam a Austrália ao resto da comunidade britânica. Os pilotos já haviam comprovado que era possível voar entre a Inglaterra e a Austrália — os irmãos Smith realizaram a viagem em um Vickers Vimy, em 1919.

Contudo, somente alguns corajosos pioneiros haviam tentado a façanha entre 1919 e 1934. As viagens aéreas de longa distância ainda eram uma barreira a ser transposta, e não havia nada como o fascínio de uma corrida aérea em que vale tudo para se alcançar a vitória, para gerar entusiasmo, atrair competidores e publicidade em todo o mundo — e, possivelmente, abrir futuras rotas aéreas — para o "fim do mundo".

Quando a corrida foi anunciada, vários fabricantes ingleses de aeronaves falaram em criar um novo avião especificamente para a prova. Contudo, ninguém se comprometeu com a idéia, e não havia nenhum avião inglês que se equiparasse aos aviões norte-americanos, como o Boeing e o Douglas ou o Vega construído pela Lockheed. "Não podemos ficar de braços cruzados e deixar que essa corrida aconteça sem que a Inglaterra faça nada", declarou Geoffrey de Havilland finalmente, pedindo que seus engenheiros começassem a projetar um avião especificamente para a competição.



O resultado foi o DH–88 "Comet" — um avião memorável sob vários aspectos. Para começar, três cópias do avião foram projetadas, construídas e pilotadas em menos de dez meses. O Comet foi a primeira aeronave inglesa a incorporar trem de pouso retrátil, flaps de pouso e hélices de inclinação variável, que eram inovações na ocasião. Ele foi construído inteiramente em madeira, com exceção do motor e do trem de pouso. Para manter o mais delgadas possível as asas cantilever com contraventamento interno, o avião foi projetado para transportar todo o combustível na fuselagem — a maior parte na frente da cabine do piloto.

Isso obrigava os pilotos a sentar na extremidade traseira da fuselagem do avião, com visibilidade dianteira extremamente limitada. Embora a visibilidade fosse sempre ruim, ela piorava durante as decolagens e os pousos, quando o nariz ficava mais alto e as duas cabinas do motor bloqueavam qualquer visão periférica da pista que os pilotos poderiam ter. Felizmente, a maioria dos aeroportos da época ainda eram campos abertos, o que dava aos pilotos um maior raio de ação.



A de Havilland havia prometido que o Comet seria capaz de voar a pelo menos 200 mph e teria um alcance mínimo de 2.600 milhas. No entanto, para obter esse tipo de velocidade, os projetistas tiveram de modificar o novo motor Gipsy de seis cilindros da de Havilland para torná-lo mais potente.

Alterando as válvulas e os cabeçotes dos cilindros e aumentando a taxa de compressão do motor, os mecânicos da de Havilland elevaram a potência do Gipsy Six de 185 HP para 223 HP. Contudo, embora as modificações do motor tenham dado ao Comet uma velocidade máxima de 230 mph, um motor envenenado também está mais sujeito a superaquecer ou a sofrer outros problemas por ser muito exigido — como todos os pilotos do Comet descobriram durante a corrida MacRobertson.

Para que o avião levantasse uma carga pesada de combustível durante a decolagem e ainda alcançasse a velocidade máxima no ar, os projetistas do Comet perceberam que também teriam de equipar o avião com outra tecnologia — uma hélice de inclinação variável (dotada, essencialmente, de uma posição "baixa" e outra "alta"). Finalmente, o Comet foi construído com uma hélice francesa que só poderia ser ajustada uma vez por vôo (da posição baixa para alta), pois os engenheiros da de Havilland chegaram à conclusão de que os projetos americanos de maior capacidade eram pesados demais.

Os projetistas do Comet estavam muito preocupados em manter o peso do avião baixo, pois o Comet teria, no máximo, 445 HP à sua disposição. O DC–2 bimotor que estava competindo com o Comet possuía motores de 710 HP de cada lado. Para voar mais rápido com menor potência, o Comet teria de empregar um projeto mais eficiente e aerodinâmico, além de ser o mais leve possível.

Como em qualquer outro avião de corrida, algumas características de manuseio tiveram de ser sacrificadas devido ao projeto aerodinâmico e de alta velocidade do Comet. Sua velocidade de aproximação era de 95 mph, mesmo com o uso de flaps divididos sob as asas. E , embora reduzissem o arraste, as pontas da asa em forma de elipse tornavam a aeronave muito suscetível a estóis violentos de ponta de asa. Como resultado, o avião poderia perder uma asa e tombar para um dos lados antes do pouso ou dar uma forte guinada para a esquerda ou a direita depois de tocar o solo — comportamento que colocou à prova as habilidades até mesmo dos pilotos de teste da de Havilland.

Após um pouso particularmente violento em que o Comet foi parar do lado errado da pista, um piloto de teste relatou que simplesmente deixou o avião onde estava, comentando aborrecido, "Se ele se comportar desse jeito, é melhor que eles venham pegá-lo de volta".

Inicialmente, a De Havilland planejava concluir todos os três Comet que estavam sendo construídos para a corrida MacRobertson mais de um mês antes do início da competição. No entanto, a construção demorou mais do que o previsto, e o Comet vermelho brilhante "Grosvenor House", que acabou vencendo a corrida, fez seu vôo inaugural apenas 11 dias antes do início da competição. De fato, os mecânicos da de Havilland ainda fizeram alterações de última hora nos sistemas de combustível e óleo do avião na noite anterior à corrida.


















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